Neste artigo abordaremos um importante fator existente em muitas análises humanas, que é capaz de, despercebidamente, nos induzir a erro.

Trata-se do “problema da evidência silenciosa”, exposto com muita propriedade pelo autor Nassim Nicholas Taleb.

Faremos uma introdução ao tema e estabeleceremos sua relação com o dia-a-dia das apostas.

A Lógica do Cisne Negro

O livro “A Lógica do Cisne Negro”[1], de Nassim Nicholas Taleb, é uma verdadeira obra prima no que diz respeito ao tema dos eventos altamente improváveis.

Nele, o autor explora nossa relação com os acontecimentos cuja probabilidade é baixíssima, e expõe defeitos da compreensão humana.

Esses vieses nos fazem pensar que estamos no controle do que, na verdade, não estamos, e que podemos entender e prever o que, na realidade, não podemos.

Problema da Evidência Silenciosa

A leitura do livro completo é bastante recomendável, mas nosso foco aqui será uma das questões abordadas por Taleb, qual seja, o “problema da evidência silenciosa”.

Esse nome é dado ao defeito de compreensão que nos leva a considerar somente a fatia que deu certo em um dado experimento, e ignorar a volumosa amostragem que não deu.

Esse erro não é de todo culpa nossa, afinal, somos inocentemente induzidos a ele pela forma como as coisas funcionam.

É que aquilo que dá errado dificilmente é exposto, e, quando é, não costuma ser mostrado com a mesma ênfase dada ao que dá certo.

Nesse contexto tendemos a acreditar que o volume do que funcionou bem é maior do que verdadeiramente é, e a tratar como regra algo que é exceção.

A História de Giacomo Casanova

Para exemplificar, o referenciado autor conta a história (ou lenda) de Giacomo Casanova, que seria um exímio sedutor de mulheres, e teria uma interminável sorte.

Passou-se a acreditar que esse homem possuía uma enorme sorte, pois sempre que se encontrava em dificuldade, as coisas subitamente se encaixavam e davam certo para ele, quase como que por ajuda de uma mão divina.

Entretanto, a história de Casanova, mesmo que seja verdadeira (não duvido), possui um problema.

Ela ignora todos os “Casanovas” que contaram com a sorte e terminaram mal.

E isso é causado por um fenômeno bastante específico.

Vamos beber direto da fonte, nas palavras de Nassim Taleb:

“Considere o seguinte: entre todos os aventureiros exuberantes que viveram em nosso planeta, muitos foram ocasionalmente esmagados, e poucos de fato recuperavam-se repetidamente. São aqueles que sobrevivem que tendem a crer que são indestrutíveis; eles terão uma experiência suficientemente longa e interessante para que escrevam livros a respeito, até que, obviamente…

Na verdade, há uma abundância de aventureiros que se sentem escolhidos pelo destino, simplesmente porque existem muitos aventureiros, e não ouvimos as histórias dos que são azarados”. [grifo nosso]. (p. 157).

Ou seja, basicamente, o cemitério dos azarados é silencioso.

Eles não costumam sair vivos para contar a história, ou, mesmo que saiam, não é habitual que se orgulhem em contar o que deu errado.

Esses casos acabam abafados, nos dando a sensação de que a amostragem do que dá certo é maior do que de fato é.

“Giacomos Casanovas” das Apostas

Dito isso, podemos afirmar que o cenário das apostas está cheio de “Giacomos Casanovas”.

Pessoas que diariamente inundam as redes sociais com histórias de sucesso, resultados inabaláveis, greens em múltiplas com odds altíssimas, grandes sequências positivas, e afins.

Por outro lado, as histórias de fracasso raramente são contadas.

Quase ninguém está disposto a compartilhar com a comunidade os seus reds, suas bad runs, ou suas quebras de banca.

E isso tem um efeito devastador, especialmente sobre o apostador mais inexperiente, que ainda não aprendeu a analisar essas divulgações com certa malícia.

Ele tende a crer que é fácil obter aqueles resultados que “todo mundo está tendo”.

Mas isso não passa de uma grande mentira.

Aquilo que ele vê é a exceção, e não a regra, às vezes até no próprio histórico da pessoa que está divulgando resultados positivos.

É preciso entender que, mesmo que silencioso, o cemitério dos azarados existe e é bem mais volumoso do que as histórias de sucesso.

Considerações Finais

Ser apostador não é fácil e, definitivamente, não é uma questão de sorte no longo prazo.

Para obter êxito, você precisa se dedicar, estudar e aperfeiçoar constantemente o seu método.

Nunca acredite que fulano ou ciclano ficou rico do dia para a noite nesse meio, sob pena de inocentemente estar sendo seduzido pela história de Giacomo Casanova, ignorando a evidência silenciosa de todos que fracassaram.


[1] TALEB, Nassim Nicholas. A Lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável. Tradução: Marcelo Schild. 20ª ed. Rio de Janeiro: Best Business, 2019.

Sobre o Autor

Mateus Salles
Mateus Salles

Sou Mateus Salles, analista de probabilidades e apostador esportivo desde 2019. Especialista nas Séries A e B do Brasil, nos mercados de handicap asiático, gols totais asiático e ambas marcam, em casas asiáticas de altos limites, na modalidade Punter.

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