Vazou na internet, em maio, um suposto decreto que estaria pronto para ser assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. Trata-se da esperada (e temida) regulamentação das apostas esportivas.
Muitos têm demandado minha análise a respeito, e essa será a missão de hoje. Boa leitura!
Diferenças entre Decreto e Lei
Antes de mais nada, cabe estabelecer a distinção entre um decreto presidencial e uma lei federal.
O primeiro é uma medida unilateral do Poder Executivo Federal, enquanto a segunda passa pelo chamado “devido processo legislativo”.
Em outras palavras, a aprovação e sanção de uma lei exige uma tramitação democrática que envolve as casas legislativas (Câmara e Senado), passando ainda pelo presidente, o que não ocorre com o decreto, ao menos inicialmente.
Em um momento posterior, já assinado e em vigor, o teor do decreto passa pelo crivo do Poder Legislativo, e, se necessário, também pelo Judiciário, a fim de confirmar ou não sua validade e conformidade com a legislação e Constituição Federal.
Desta feita, pode-se afirmar que seria mais “saudável” a aprovação da regulamentação via processo legislativo, o que permitiria amplo debate sobre a matéria, com participação tanto do legislador, quanto de representantes da sociedade.
E era o que vinha sendo feito, embora à passos de tartaruga.
Todavia, diante da demora, e, claro, do interesse arrecadatório por parte da Fazenda Pública, tentou-se acelerar a regulamentação, fazendo-o via decreto.
Isso é prejudicial e nos deixa mais suscetíveis a equívocos que podem até mesmo inviabilizar a atividade do apostador, ao menos legalmente.
Modelo Aberto é Positivo
E analisando minuciosamente o teor do tal decreto, podemos ter algumas percepções claras.
A primeira delas, pelo lado positivo, é que fica a sensação de que “poderia ser pior”.
Alguns progressos obtidos no processo legislativo foram mantidos, como por exemplo o modelo aberto de concessão, que permitirá qualquer bookie se licenciar para atuar no Brasil.
Isso desde que cumpra os requisitos do decreto e efetue o pagamento da taxa cobrada pelo governo.
Apostas Esportivas não é Loteria
Todavia, temos um ponto muito alarmante pelo lado negativo: a possível tributação aplicável ao apostador.
Tivemos nossa atividade equiparada às loterias, de modo que o tributo incidirá retido na fonte, a cada prêmio obtido pelo punter que superar o valor de isenção mensal do Imposto de Renda, atualmente em R$1.903,98.
Assim, suponha que um apostador faça uma entrada de R$2.000,00, em uma odd @2,00.
Caso vença a aposta, seu prêmio superará os R$1.903,98, e por isso a bookie recolherá a correspondente alíquota do Imposto de Renda e repassará ao erário automaticamente.
Isso é preocupante, pois praticamente inviabiliza a atividade de um punter profissional.
Afinal, ao contrário do que acontece nas loterias, nas quais muito raramente se ganha, nas apostas os ganhos e perdas são cotidianos.
E o governo não reembolsará o apostador quando esse tiver um red.
Ou seja, quando lucrar, seus rendimentos serão divididos com a Fazenda Pública, e quando perder o prejuízo é só seu.
Absolutamente insustentável.
Por uma Tributação Mais Justa para o Apostador
Sabemos que a regulamentação é um processo inevitável, e até benéfico em inúmeros pontos, evitando, por exemplo, o limbo jurídico que hoje paira sobre o meio.
Se uma casa de apostas, por exemplo, retém seu dinheiro injustificadamente, você não encontrará amparo.
Isso é algo que será remediado com a regulamentação.
Todavia, isso deve ser feito de modo a gerar benefícios para todas as partes envolvidas, sem onerar excessivamente alguém.
Um modelo inteligente de tributação deveria incidir sobre o lucro final do apostador, já descontados os reds, em um determinado lapso temporal (mês, trimestre, semestre ou ano).
No caso de tributação mensal, ainda deve ser permitido que o apostador faça o abatimento dos meses de prejuízo sobre o valor tributável, como já é aplicado, por exemplo, nas transações envolvendo cotas de fundos imobiliários.
Assim o imposto incidiria somente sobre o que é justo que ele incida: o real lucro do apostador.
Isso se houver mesmo uma tributação, vez que não seria nenhum absurdo pensar em isenção de imposto aplicada aos apostadores.
É forçoso dizer, os princípios de Direito Tributário proíbem a chamada “bitributação”, cujo conceito seria, em resumo, a dupla aplicação de um imposto.
Frise-se, nesse sentido, que as casas de apostas já farão o recolhimento de tributos, sendo discutível a necessidade de que o punter também o faça.
Um outro modelo bastante interessante poderia ser inspirado na legislação brasileira a respeito da tributação incidente sobre o lucro com as ações.
Na Bolsa de Valores, quem vender até o limite de R$20.000,00 em ações em único mês é isento do correspondente Imposto de Renda (exceto operações day trade).
Somente quem ultrapassar esse montante em vendas deverá recolher o tributo sobre seu lucro.
Algo semelhante poderia ser feito para as apostas.
Por exemplo, o apostador que auferir menos de R$10.000,00 de lucro com as bets, em um mês, poderia ser isento de impostos.
Trata-se de uma importante forma de incentivo ao pequeno investidor/apostador, permitindo que ele cresça nesse meio sem ser tributado, e somente se preocupe com isso quando se tornar um “peixe grande”.
Considerações Finais
Enfim, o decreto está pronto para assinatura do presidente a qualquer momento, apesar de trazer muitas dúvidas se isso realmente será feito no avançar de um ano eleitoral.
Sabemos que uma das bases de apoio ao atual governo é a comunidade religiosa, a qual não enxerga as apostas com bons olhos.
A assinatura, nesse momento, poderia ser causa de atrito às vésperas das eleições.
Por último, é de clareza solar que se algo prejudicar uma parte, prejudicará todas.
Se o governo onerar demais o apostador, automaticamente empurrará vários de nós para o caminho da ilegalidade, cenário no qual a arrecadação tributária será aquém do que pode, e o lucro das bookies se tornará menor, como reflexo das apostas sendo menos atrativas.
Ou será bom para todos, ou não será para ninguém.
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